quinta-feira, 21 de maio de 2009

Aos meus colegas do Centro de Internação de Adolescentes Granja das Oliveiras - CIAGO - e demais profissionais em Medidas Socioeducativas

Carrego a certeza, ainda passível de comprovações como são todas as minhas certezas, que nosso trabalho não se resume a outra coisa – até porque não existi coisa tão grande e importante quanto esta – senão de fazer com que as pessoas queiram conhecer a si mesmas.
Conhecendo a si mesmas, necessariamente conhecem aos outros, que também são humanos e que, por essa condição, não podem ser tão diferentes em seus limites, em seus sofrimentos, suas angústias ou suas alegrias: comungam de um mesmo sentimento silencioso de humanidade. Pensando sobre nosso trabalho, lembrei-me de um livro que reli faz pouco, Devaneios de um Caminhante Solitário, de Rousseau. Talvez uma das mais empolgantes autobiografias já escritas, com seus vícios incorrigíveis do romantismo da época, mas fascinante na quase perfeita comunhão entre o uso da filosofia como instrumento de autoconhecimento e o uso da poesia para delinear em palavras ousadas e em frases fortes os sentimentos dessa caminhada que se faz solitariamente.
Rousseau era um homem obstinado em se conhecer, como quase todos filósofos e poetas: estava, portanto, treinado para se questionar e, por isso, no final de sua vida, fez um balanço extremamente doloroso, questionador, desesperançoso e sem escrúpulos de sua existência. Algumas semanas após escrever esse livro, Rousseau falece. E uma coisa que não podemos negar é o fato de que só o objetivo de querer abertamente traçar essa caminhada já é, sem dúvida, terrivelmente doloroso. Quem teria essa coragem de fazer o que Rousseau fez? Quem teria a coragem de propor, já no final da vida, quando normalmente as pessoas preferem o retiro de todas as angústias do pensamento e das incertezas, caminhar ainda sobre o chão ardido do autoconhecimento?
Arrisco-me a dizer que conhecer a si próprio, não é um convite, não é algo que você decide fazer logo depois de acordar de uma noite mal dormida ou depois de um conselho dado a esmo por alguém desconhecido ou pouco querido. Independente de qualquer projeto de vida que a gente carrega no peito, como o de comprar uma casa, ou o de ter filhos, ou ainda o de apenas escrever um livro, conhecer a si próprio é a única caminhada que não nos abandona, ela está sempre debaixo dos nossos pés desde que respiramos pela primeira vez. Dessa forma, acredito que, como pede a milênios o oráculo de Febo, talvez seja a única ação existencialmente válida, porque proporcionalmente inútil e dolorosa. E, particularmente, adoro as coisas inúteis e dolorosas. Entretanto, é natural que por vezes preferimos, por uma escolha que não cabe julgamento ou por conseqüência de uma vida já muito doída, silenciar o questionamento sobre o nosso eu.
Quando esse questionamento aparece, tratamos logo de emudecê-lo: sejamos sinceros, é menos contundente se atirar no devir das coisas e ser um ébrio da sua própria existência do que ter de pensar sobre ela, do que ter de se responsabilizar na pergunta “Quem sou eu”?, mesmo que futuramente você descubra que essa pergunta não leva a lugar nenhum. Daí que trabalhamos com pessoas desse jeito. Com essa condição de pensamento, que na verdade não é condição nenhuma. De todos os erros, justificados ou não, que talvez eles cometeram, o maior deles, creio, é de não se pensarem, e, no contrário disso, é que reside a grandeza do nosso trabalho. Só que como todo grande trabalho – já nos provou Hércules e Marx – a realização dele reflete sobre nós mesmos. A propor que os outros pensem em si, pensamos em nós, com toda a violência e radicalidade.
Que bonita caminhada a que nosso trabalho se propõe! Boa sorte a todos!

2 comentários:

  1. Connhecer a si proprio é uma permanente busca das nossas limitações,medos, perfeições e qualidades, mas além disso, conhecer melhor o outro é também um ato de autoconhecimento, portanto, conheça a ti mesmo, mas também tente compreender aquele que orbita e influencia a sua vida, seja positivamente, seja negativamente!conheço pouco a obra Rosseau, mas teno certeza que ele não viveu ao esmo durante a vida, conheceu gente, foi influenciado, influenciou e assim pode analisar os meandros na sua alma completada com as contribuições das almas que o permeava!!Um abraço!!Fábio dos Anjos

    ResponderExcluir
  2. Uau! Que fantástico esse blog. Muito rico de informações e ídéias. Poético. Parabéns pela iniciativa.

    ResponderExcluir